Dedicado ao tio.
No início da humanidade, antes de as mulheres terem inventado a linguagem oral, os homens comunicavam gestualmente. Fazer um manguito ou um caralhinho com os dedos, são exemplos ainda vivos dessa linguagem de outrora. O motivo pelo qual não desapareceram é óbvio – um gesto pode valer mais do que 1500 palavras.
Mas de todas as formas de comunicação que o homem utiliza, há uma que nem imagens, palavras ou gestos conseguirão substituir com tamanha eficácia quando se trata de insultar ou expressar um estado de alma. Apesar de ser tão velho quanto a humanidade, até hoje não conseguiram inventar nada mais expressivo do que um valente peido.
Sei do que falo pois sou um peidorrento razoável. De manhã, ao levantar, gosto de ir até à casa de banho e mandar um ou dois arrotos rectais. Nada de especial, exceptuando talvez o gozo de saber que me consigo fazer ouvir na casa dos vizinhos até 3 andares acima.
Todavia tenho um familiar que ao pé dele não sou nada. Mais do que produzir peidos memoráveis, ele transforma o acto de soltar gases sonoros pelo cu numa obra de arte de fino recorte.
Quem julgar que o peido é apenas uma expressão de mau gosto ou falta de educação fique ciente de que não possui sensibilidade suficiente para conseguir compreender o que é arte ou mesmo o belo.
O peido é arte quando aquele que o executa tem consciência de estar nesse momento a expressar sentimentos e emoções duma forma que só a melhor pintura renascentista, música barroca e pornografia dos anos 70 conseguem igualar.
Enquanto género de insulto cómico, o peido não tem rival e é precisamente neste campo específico que esse meu familiar peidorrento é genial. Ele domina com incrível talento a sublime arte do insulto através do peido. É um mestre a conjugar a oportunidade do momento, a duração, o timbre, a intensidade e a expressão facial durante a execução dum peido. Um peido dele é de nos levar às lágrimas. Se fosse americano, já estava milionário.
Mas não se pense que é uma forma de arte fácil. O peido desde há muito que é combatido por quem não o compreende. Trata-se duma arte para homens de barba rija e rebeldes. Ao pé do peido, o grafite é uma arte maricas.
Esse meu familiar tem por hábito jogar dominó e cartas no bar da sede do clube recreativo cá da terra. Como é sabido, estamos a falar de jogos em que a componente psicológica é importante quando usada como arma para desmoralizar o adversário.
Pois não tiveram descanso enquanto a direcção do clube não proibiu o meu familiar de se peidar no bar da sede, especialmente durante os jogos. Ao Rodrigues, que adormece a ler o Correio da Manhã e ressona mais alto que a serração do Tonho Pachorrito, não dizem eles nada.
Para evitar chatices no clube, o meu familiar acatou a ordem vinda da direcção. Agora em vez de dar peidos passou a bufar-se, claro. Mas não é a mesma coisa.
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