quarta-feira, 29 de agosto de 2007

(Continuação do post anterior)

A história dos meus amigos (Parte 3).
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Perturbados pelo cenário a que assistiam, os Aparícios, lá fora, quase entravam pela janela. Por sua vez, lá dentro, Cabrita afundava-se na cadeira recuando face a Stephanie. Mas o empresário, fiel aos seus princípios, apesar da carne apetitosa rente ao seu corpo, resistia estoicamente repetindo que não tinha dinheiro.
Entretanto, os Aparícios notaram que ao longe se aproximava um vulto. Vinha a pé do lado do parque de estacionamento alguém que parecia caminhar lentamente em direcção à roulotte.
O dia terminava, mas ainda existia claridade suficiente para adivinharem que aquilo que viam, embora parecesse um ramo de flores andante, provavelmente seria Antero, o marido de Stephanie, que chegava carregando um ramo de rosas vermelhas. Era um ramo tão grande, que lhe escondia a cabeça. Decerto era para oferecer à esposa.
(Pensando agora no assunto, quase me esquecia de vos informar que Stephanie era casada). *1
A respeito de Antero, importa explicar que era espanhol. Daqueles andaluzes temperamentais de sangue quente. Acabava de chegar, após breve deslocação a França e vinha juntar-se à esposa.
Zé Miguel, o filho de Cabrita, tinha ido buscá-lo de carro à estação ferroviária de Vilar Formoso.
O regresso do marido de Stephanie mereceu um breve diálogo entre os irmãos Aparício.
Isto agora, são eles a falar:
- O Antero chega e encontra a mulher despida com outro homem. Cheira-me que vai haver merda.
- Talvez não. Na volta, nem se rala.
- Pois sim. Se fosse algum intelectual das zonas finas de Lisboa, se calhar até ia achar graça. Mas lá na Espanha, os gajos inclusivamente são capazes de possuir um termo específico na língua deles correspondente à nossa palavra Cabrão e concerteza que é ofensivo.
- Pretendes dizer que o Antero não está sintonizado com as mais recentes tendências da liberdade sexual própria dos anos 70 e quando abrir a porta da roulotte vai ter uma reacção machista e, quiçá, até violenta?
- Violenta? Violenta, não sei. Mas que puxará da navalha de ponta e mola, disso não tenho dúvidas. *2
Os Aparícios calaram-se por instantes para pensar. Enquanto isso, ora miravam Antero aproximando-se, ora espreitavam Cabrita e Stephanie quase pegados.
Uma tragédia poderia estar iminente. De modos que uma dúvida instalou-se nas suas cabeças: deveriam avisar o Cabrita?
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*1 - Isto, quando se trata de mulheres bonitas, o estado civil é um pormenor muitas vezes olvidado pelos homens (o que não foi o meu caso).
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*2 – Se o leitor mais atento notou em alguns trechos do diálogo, um tipo de linguagem parecida à de um polícia de trânsito, saiba que o pai dos Aparícios era um agente da autoridade (e figura paternal muito influente na forma de falar dos filhos).
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Continua, quando este post tiver um número de comentários jeitoso.

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terça-feira, 21 de agosto de 2007

(continuação do post anterior)

A história dos meus amigos - Parte 2
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A contorcionista francesa que ingressou no Romagnoli em 1976, era artisticamente conhecida por Stephanie, embora o seu verdadeiro nome fosse Natércia e, de facto, tivesse nascido em Alcochete.
Não obstante, Stephanie insistia em exprimir-se na língua de Alexandre Dumas e gostava de se apresentar na condição de estrela internacional gaulesa.
O talento de Stephanie, contudo, era medíocre. O seu sucesso na arte circense baseava-se sobretudo numa aparência física excepcional, composta por um corpo de sonho (que só dava vontade de comer) e um rosto incrivelmente belo, cuja boca só apetecia beijar (ou pior).
E era graças a essa beleza corporal de Stephanie, maximizada por um bikini minúsculo, que um número de contorcionismo perfeitamente banal se transformava num espectáculo soberbo, particularmente interessante pela sua sensualidade. *1
Stephanie era uma artista excepcionalmente bem remunerada. A forma como decorreu a negociação do seu contrato com Cabrita, ainda hoje permanece nos anais da história do circo Romagnoli, como símbolo de firmeza e engenho negocial.
Reza a lenda que, após uma longa série de reuniões no gabinete de Cabrita, as partes não conseguiam entender-se relativamente aos valores a receber por Stephanie. A francesa queria mais, mas Cabrita recusava-se, repetindo que não havia dinheiro. Então, disposta a jogar uma cartada decisiva, Stephanie convidou Cabrita para realizarem nova ronda negocial, mas desta vez só os dois, num ambiente mais íntimo, na roulotte da artista.
Ele, embora percebendo a marosca, corajosamente concordou. Stephanie achou que já o tinha no papo.
Mas Cabrita era muito hábil. Embora comparecendo no dia combinado, cumpriu a regra dos bons negociadores, chegando com cinquenta minutos de atraso e apenas para repetir o mesmo de sempre: que a companhia não tinha dinheiro que permitisse pagar mais.
Os Aparícios, naqueles dias, andavam também a negociar os valores da renovação do seu contrato e estavam muito interessados em saber qual a verba que Stephanie iria ganhar. A ideia era exigir ao Cabrita o suficiente para continuarem a ser os artistas mais bem pagos do Romagnoli e portanto, nunca menos do que Stephanie. Mas, por outro lado, também não queriam pedir um valor excessivo que ofendesse o Cabrita.
Dispostos a obter tão preciosa informação, decidiram espiar as negociações indo encostar-se ao exterior da roulotte, espreitando pela janela e tentando escutar a conversa entre Cabrita e Stephanie
No interior da roulote o tempo arrastava-se. Cabrita continuava irredutível. Stephanie, percebendo a firmeza do empresário, optou por fazer o que tinha planeado (lançar a bomba atómica). Pediu licença, retirou-se, e alguns segundos depois regressou praticamente nua.
A pretexto de querer mostrar uma novidade que pretendia introduzir no seu número, Stephanie havia-se livrado das roupas e trazia agora apenas um bikini escandaloso, em tons de leopardo, próprio das actuações em pista.
Era nítido que a contorcionista pretendia atingir o seu objectivo através do assédio sexual.
Permanecendo sentado, Cabrita tentou manter a fleuma, mas não tardou que o suor lhe alagasse toda a fronte. As dimensões reduzidas da roulotte obrigavam a que Stephanie, ao exibir-se, quase roçasse o corpo na sua cara.
Lá fora, face ao que assistiam, os Aparícios temeram pelo seu estatuto de artistas mais bem pagos da companhia. Interrogaram-se: conseguiria Cabrita resistir e continuar a dizer que não?
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(continua, quando as autoridades o permitirem e a mim me apetecer)
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*1- Digamos que era uma sensualidade muito apreciada pelo público masculino, que no final do número sempre aplaudia delirantemente (mas nunca de pé).

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